08 outubro 2006

Privatização: descomplicando para as vítimas da conversa mole do PT

Um texto inicial de Mailson da Nóbrega no blog do Noblat, explicando as mentiras e as idiciotices que se falam sobre o processo de privatização nos anos 90. De tanto o PT e o Requião martelarem, há bastante gente que cai na conversa fiada deles.

Sobre a privatização do BB e de outras estatais

Maílson da Nóbrega

Meu artigo de domingo passado deu o que falar. Mexi em um vespeiro ao levantar a idéia de privatização do Banco do Brasil, mesmo com a ressalva de que se tratava de mera utopia. Recebi elogios, mas também inúmeros e-mails indelicados e insultuosos. Pior, o jornal alterou o título – “O futuro do Banco do Brasil” – para “O fundo do BB”, o que lhe mudou o sentido e ajudou a criar o clima de conspiração. O blog do Noblat, que publica simultaneamente o artigo, manteve o título original.

Para irados missivistas, eu estaria defendendo a entrega do patrimônio da Nação a bancos privados, tal qual teria ocorrido na privatização de estatais como a Vale do Rio Doce. Recorreu-se à linguagem agressiva da época (1984) em que liderei os estudos que culminaram na extinção da “conta de movimento”, pela qual o BB tinha acesso ilimitado aos recursos do Tesouro. Uma campanha insidiosa me atribuiu então o epíteto de “inimigo público nº 1 do BB”. A medida é hoje considerada o ponto inicial da maior evolução institucional das finanças públicas federais. O banco ganhou, pois saiu da acomodação derivada daquele arranjo institucional, mas ainda se acha que o objetivo era destruí-lo.

Ser contra a privatização não é privilégio dos que me enviaram e-mails. Vários estudos mostram uma maioria favorável ao controle, pelo governo, de vastos segmentos da economia, particularmente os “estratégicos”, seja lá o que isso signifique.

Três razões podem explicar essa cultura. A primeira deriva das origens ibéricas da nossa formação. Portugal e Espanha se tornaram potências entre os séculos 15 e 17 graças às conquistas ultramarinas viabilizadas pelo centralismo dos reis absolutos. A atividade econômica básica era exclusividade da coroa. As instituições capitalistas, que transfeririam o cetro de potência para a Holanda, a Inglaterra e os EUA nos séculos três seguintes, somente chegariam àqueles dois países no fim século 20.

A segunda está na justificativa para a ação do Estado nos estágios iniciais do desenvolvimento. O êxito da industrialização da Inglaterra estimulou outros países europeus a seguir-lhe o passo. Como não possuíam as mesmas condições institucionais, recorreram a substitutos estatais, como mostram os estudos de Alexander Gerschenkron. A Alemanha e a França utilizaram o dirigismo, bem como bancos e outras empresas estatais. Depois da Segunda Guerra, teorias do desenvolvimento defenderam o mesmo para os países pobres, incluindo o fechamento da economia para proteger a chamada indústria nascente.

A terceira é uma mistura de ideologia e nacionalismo. Os comunistas apoiaram o dirigismo de Vargas, o precursor do nacional-desenvolvimentismo, porque se coadunava com seus ideais. A esquerda, que confundiu keynesianismo com “desenvolvimentismo”, foi partidária entusiasmada. Os militares viam na intervenção estatal o caminho para viabilizar a produção doméstica de aço e equipamentos militares, tidos como essenciais para a defesa e para fazer do Brasil uma potência. O ideário coincidiu com as estratégias de substituição de importações da Cepal nos anos 1950.

Embora essas idéias sejam de uma época e o nacional-desenvolvimentismo tenha-se esgotado, deixando na sua esteira as bases do processo hiperinflacionário e a maior desigualdade social do planeta, seus pressupostos ainda têm incontáveis adeptos no Brasil.

Em um país no qual o lucro continua sendo visto com suspeição, é óbvio que a privatização não terá aceitação como a dos britânicos a partir dos anos 1980. Mesmo que a venda de nossas estatais tenha sido transparente e exibido erros menores do que os observados em países como o México e o próprio Reino Unido, até hoje se questiona o valor pelo qual elas foram compradas e se duvida da honestidade do processo. O termo “privataria” entrou no nosso imaginário e na linguagem da esquerda, do PT e de tantos quanto se opõem à privatização.

Um grande contingente acredita que as estatais podem promover o desenvolvimento sem preocupar-se com o lucro. Por isso, falar em privatização do BB é como sugerir que ele seja vendido a bancos que agem ao contrário, isto é, querem o lucro, mas não ligam para o desenvolvimento.

No próximo domingo, tentarei mostrar a falácia desse e de outros raciocínios sobre as empresas estatais.

Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada